A mitologia com suas lendas e mitos, deuses e monstros nos ajuda entender aspectos de nossa história e de nossos comportamentos. Pois bem, segundo vários pesquisadores de mitologia, entre eles Sears, Aguiar e Bulfinch, havia um cão de três cabeças chamado Cérbero que ficava na “porta” do submundo para vigiar a entrada. No entanto, Cérbero tinha uma característica interessante: era extremamente gentil, envolvente para conquistar as pessoas ou os mortos para entrarem no inferno, porém, implacável e extremamente feroz com os que tentavam sair.
Assim como várias outras lendas mitológicas, a história de Cérbero e do submundo reinado por Hades que era irmão do soberano Zeus (deus do céu) e Poseidon (deus dos mares) nos traz um aprendizado importante. Cérbero pode representar as tentações, as más influências que precisamos enfrentar todos os dias. Elas se apresentam de maneira sedutora e convincente, nos atentam principalmente, quando estamos no nosso submundo interno. Quando não estamos muito bem, não estamos muito conscientes as más influências e as tentações se parecem tão boas, tão necessárias e inofensivas. No entanto, uma vez que nos rendemos à elas, ou nos deixamos levar pelo caminho mais fácil poderemos ter grandes dificuldades para sair de seus domínios.
O inferno, por sua vez, pode representar uma parte de nós. Sim, todos nós possuímos nosso próprio inferno, nossa parte mais “sombria” onde guardamos nossas culpas, nossos medos, nossas inseguranças, nossas mágoas. Se não percebermos os cães sedutores, os cérberos, que nos levam para baixo, podemos ficar presos e escravos dessa parte mais “fraca” de nós.
Waldemar Magaldi em seu livro “Dinheiro, Saúde e Sagrado” comenta que na busca por nosso sentido existencial temos que enfrentar continua e conscientemente as três cabeças de Cérbero através dos embates das polaridades. Essas polaridades estão presentes em nossa vida a partir do momento que acordamos quando precisamos decidir entre o levantar e iniciar nossas atividades de maneira ativa ou nos render a preguiça de ficar mais um pouco na cama; está presente nas inúmeras vezes que precisamos decidir entre fazer o que é certo ou o que é mais fácil; entre ser bom ou ser mal; entre agir por instinto ou pela razão etc..
Curiosamente na mitologia a derrota mais famosa do cão Cérbero se deu com o herói Hércules. Segundo a lenda, o Herói estava em uma longa e exaustiva luta com o cão quando um “buraco” foi aberto acima do submundo com a ajuda de Atenas (deusa da sabedoria) permitindo que Hércules o trouxesse para a luz. O cão como sempre vivera na escuridão foi “atordoado” pela luz e Hércules pode vencê-lo.
Essa grande luta entre Hércules e Cérbero nos mostra que o grande cão pode ser vencido através da sabedoria, pode ser vencido a partir do momento que saímos de nosso submundo e vamos para luz, para nossa tomada de consciência a cerca das artimanhas utilizadas pelo monstro para nos seduzir e aprisionar. Coincidentemente, o que mais precisamos usar para nos manter mais protegidos dessas tentações, mais cientes de nossas reais necessidades e perigos é justamente o cérebro.
É justamente através do fortalecimento de nossa área executiva cerebral que conseguimos diminuir nossa vulnerabilidade emocional, melhorando nossa auto gestão e nos afastando das amarras de nosso submundo.
Finalizo o texto de hoje com uma frase de Jung que eu gosto muito “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chama-lo de destino”
Até a próxima,
Namastê!
Quando criança, eu e meus primos, recebíamos um presente especial de meus tios que moravam em São Paulo, papéis de seda coloridos e varetas para que pudéssemos passar horas de plena felicidade, criando e confeccionando nossas próprias pipas de cores variadas, rabiolas coloridas, esvoaçantes.
Quando terminávamos, cada um dos primos, colocava sua pipa encantada para alçar voos cada vez mais ousados, colorindo o lindo céu azul. Às vezes eu ficava com medo, pois a pipa estava tão alta que eu tinha a sensação que talvez ela pudesse me puxar para o céu, para o voo triunfante. Era um sentimento estranho, entre o desejo de voar com a pipa, associado ao medo de tirar os pés do chão.
Ao ler o livro de Tara Mohr, Ouse crescer, deparei-me com um ensinamento que ampliou a minha compreensão do medo e fez-me entender o medo sentido outrora, ao empinar a minha própria pipa. A respectiva autora cita o rabino Lew ao explicar que a Torá, livro sagrado dos Judeus, apresenta duas palavras diferentes para designar o medo.
A primeira diz respeito a palavra pachad, a qual está relacionada ao medo das coisas projetadas, imaginadas, como por exemplo, o medo de fantasmas, de o avião cair, de falar em público, de perder um ente querido. Pachad é um medo irracional e exagerado, fruto da ansiedade ao que “poderia” acontecer, o medo oriundo da imaginação. Está relacionado ao tipo de medo que tentamos vencer.
O segundo termo, é o yirah, relacionado ao sentimento que nos domina quando habitamos um lugar diferente, maior do que aquele que estamos acostumados, quando somos tomados por uma energia maior, quando podemos nos conscientizar de que essa sensação significa que estamos conectados com o divino dentro de nós.
Como perceber a diferença entre pachad e yirah? Tara Mohr nos alerta que tanto um, como o outro, provocam um sentimento de alerta, descarga de adrenalina e algum nervosismo, pois saímos da nossa zona de conforto. A mesma prossegue nos apresentando maneiras sutis de saber qual deles estamos sentindo. O pachad é o medo acompanhado por uma sensação física de tensão e contração, a mente se concentra num possível resultado futuro, o que pode atrapalhar a clareza do que realmente está acontecendo no agora.
O yirah, por sua vez, traz ao corpo uma sensação de espaço e fluidez, costuma ser uma resposta do que está acontecendo no agora, muito embora, também possa se manifestar quando você contempla e imagina os passos dados para a realização de seus sonhos.
Retornando à memória sobre o voo de minha pipa colorida, talvez o desejo de voar com a pipa e o medo de tirar os pés do chão nos remeta ao yirah, o medo de ousarmos e seguir os nossos sonhos e quem sabe alcançar as estrelas e brilhar, corroborando com o alerta de Marianne Williamson, “nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes. Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais amedronta.”
Pois bem, a nossa criança interior conectada com a essência divina nos alerta, a pipa foi sonhada e projetada antes na minha mente de criança, para que pudesse se concretizar e assim cumprir sua missão, alçar voo, colorir o céu, alegrar a criança que lhe deu vida, asas e rabiolas para voar
Como ousar, como seguir em frente, como voar com liberdade, autonomia e leveza e como a pipa colorida, dançar pelo azul do céu, colorindo-o com sua graça e beleza?
Procurando vivenciar o yirah, habitar um lugar pleno, maior e com mais energia do que estamos acostumados, o nosso lugar sagrado, com vitalidade e paixão para que possamos acessar quando perseguirmos nossos sonhos autênticos e assim colorir o mais alto possível o céu!
Mestre em Educação Física – UNIMEP
Pós Graduada em Neurociências aplicada à Longevidade – UFRJ
Sócia Diretora do Centro de Longevidade e Atualização de Piracicaba – CLAP.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MOHR, Tara. Ouse crescer. Tradução: Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.
A pseudodemência vem sendo considerada um problema de saúde pública uma vez que, segundo Richard Petersen, um dos maiores pesquisadores do assunto, é tida como um estágio intermediário entre um envelhecimento saudável e a demência “real”.
A pseudodemência é também chamada de comprometimento cognitivo leve (CCL) e, como o próprio nome sugere compreende algumas disfunções cognitivas que prejudicam a eficiência da memória, tempo de reação, concentração, raciocínio, entre outros. No entanto, esses déficits cognitivos na CCL não afetam, a priori, a autonomia para execução das atividades da vida diária (AVDs).
Por esse motivo a CCL vem ganhando tanta importância, pois enquanto uma “falsa” demência ela permite a recuperação, desde que, haja uma ação adequada. Por esse motivo, podemos entendê-la como um sinal de alerta do cérebro para a necessidade de intervenção.
O reconhecimento através de exames e avaliações neuropsicológicas corretas juntamente com avaliação médica é de extrema importância, pois, favorece estratégias de intervenção num tempo adequado e eficiente para se diminuir a probabilidade de uma demência se instalar.
Essa intervenção envolve principalmente exercícios de treino cognitivo específicos e adequados, mas também, participação em atividades físicas e atividades que promovam a socialização. Ou seja, envolve estimulação variada e correta das várias funções cerebrais.
Vale ressaltar que a depressão e a ansiedade, duas síndromes recorrentes em nossa população contribuem diretamente para o aumento de casos de pseudodemência, inclusive alguns autores consideram também a pseudodemência depressiva. Essas duas síndromes prejudicam significativamente o funcionamento do córtex pré-frontal (CPF), nossa grande área executiva. Por esse motivo pessoas que sofrem de ansiedade e depressão encontram dificuldade nos processos de memorização, concentração, atenção; evitam o convívio social e, encontram dificuldades no sono. Sendo assim, elas se tornam mais vulneráveis ao desenvolvimento de CCL.
Nossa vida acelerada, marcada por avanços tecnológicos contínuos, informações instantâneas e constantes, mídias sócias que influenciam diretamente o comportamento e o equilíbrio emocional das pessoas, contribuem muito para o crescimento dessas síndromes e, consequentemente impactam no aumento de casos de pseudodemência na população, especialmente as mulheres acima dos 55 anos, de acordo com os pesquisadores Iacoviello e Mathew.
A promoção de atividades cognitivas e físicas que estimulem o cérebro e promovam a socialização são de extrema importância e, fazem parte de medidas ligadas à saúde preventiva. O entendimento de que toda forma de acomodação, sedentarismo e isolamento são extremamente perigosos para o funcionamento cerebral pode gerar mudanças de comportamento significativas para uma vida melhor e mais saudável.
Finalizo o texto de hoje com uma frase que gosto muito do Dr. Waldemar Magaldi Filho (2009) “ A preguiça pode ser o prenúncio da necrose psíquica”
Até a próxima, namastê!
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