Quando criança, eu e meus primos, recebíamos um presente especial de meus tios que moravam em São Paulo, papéis de seda coloridos e varetas para que pudéssemos passar horas de plena felicidade, criando e confeccionando nossas próprias pipas de cores variadas, rabiolas coloridas, esvoaçantes.
Quando terminávamos, cada um dos primos, colocava sua pipa encantada para alçar voos cada vez mais ousados, colorindo o lindo céu azul. Às vezes eu ficava com medo, pois a pipa estava tão alta que eu tinha a sensação que talvez ela pudesse me puxar para o céu, para o voo triunfante. Era um sentimento estranho, entre o desejo de voar com a pipa, associado ao medo de tirar os pés do chão.
Ao ler o livro de Tara Mohr, Ouse crescer, deparei-me com um ensinamento que ampliou a minha compreensão do medo e fez-me entender o medo sentido outrora, ao empinar a minha própria pipa. A respectiva autora cita o rabino Lew ao explicar que a Torá, livro sagrado dos Judeus, apresenta duas palavras diferentes para designar o medo.
A primeira diz respeito a palavra pachad, a qual está relacionada ao medo das coisas projetadas, imaginadas, como por exemplo, o medo de fantasmas, de o avião cair, de falar em público, de perder um ente querido. Pachad é um medo irracional e exagerado, fruto da ansiedade ao que “poderia” acontecer, o medo oriundo da imaginação. Está relacionado ao tipo de medo que tentamos vencer.
O segundo termo, é o yirah, relacionado ao sentimento que nos domina quando habitamos um lugar diferente, maior do que aquele que estamos acostumados, quando somos tomados por uma energia maior, quando podemos nos conscientizar de que essa sensação significa que estamos conectados com o divino dentro de nós.
Como perceber a diferença entre pachad e yirah? Tara Mohr nos alerta que tanto um, como o outro, provocam um sentimento de alerta, descarga de adrenalina e algum nervosismo, pois saímos da nossa zona de conforto. A mesma prossegue nos apresentando maneiras sutis de saber qual deles estamos sentindo. O pachad é o medo acompanhado por uma sensação física de tensão e contração, a mente se concentra num possível resultado futuro, o que pode atrapalhar a clareza do que realmente está acontecendo no agora.
O yirah, por sua vez, traz ao corpo uma sensação de espaço e fluidez, costuma ser uma resposta do que está acontecendo no agora, muito embora, também possa se manifestar quando você contempla e imagina os passos dados para a realização de seus sonhos.
Retornando à memória sobre o voo de minha pipa colorida, talvez o desejo de voar com a pipa e o medo de tirar os pés do chão nos remeta ao yirah, o medo de ousarmos e seguir os nossos sonhos e quem sabe alcançar as estrelas e brilhar, corroborando com o alerta de Marianne Williamson, “nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes. Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais amedronta.”
Pois bem, a nossa criança interior conectada com a essência divina nos alerta, a pipa foi sonhada e projetada antes na minha mente de criança, para que pudesse se concretizar e assim cumprir sua missão, alçar voo, colorir o céu, alegrar a criança que lhe deu vida, asas e rabiolas para voar
Como ousar, como seguir em frente, como voar com liberdade, autonomia e leveza e como a pipa colorida, dançar pelo azul do céu, colorindo-o com sua graça e beleza?
Procurando vivenciar o yirah, habitar um lugar pleno, maior e com mais energia do que estamos acostumados, o nosso lugar sagrado, com vitalidade e paixão para que possamos acessar quando perseguirmos nossos sonhos autênticos e assim colorir o mais alto possível o céu!
Mestre em Educação Física – UNIMEP
Pós Graduada em Neurociências aplicada à Longevidade – UFRJ
Sócia Diretora do Centro de Longevidade e Atualização de Piracicaba – CLAP.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MOHR, Tara. Ouse crescer. Tradução: Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.
https://www.pensador.com/autor/marianne_williamson/
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